Com “Homegrown”, Neil Young libera a sofrência de um amor perdido e engavetado há quatro décadas

Neil Young lança álbum que estava guardado desde os anos setenta
 
Neil Young
Homegrown
⭐⭐⭐✰✰ 3/5
Por  Marcelo Alves 

A dor de um amor perdido está entre os sentimentos universais que unem todos os artistas. E todos os seres humanos, é claro. De Marília Mendonça a Neil Young, todo cantor há de ter o seu momento de sofrência na carreira. A diferença parece estar no momento em que o artista resolve exorcizar seus fantasmas. Para o cantor canadense, demorou um tempo. Mais especificamente, quatro décadas e meia. Mas nunca é tarde para abrir o coração e o baú de canções antigas para lançar um álbum e se manter produtivo durante a pandemia de coronavírus.

Lançado no mês passado, Homegrown entrará na carreira de Neil Young como o seu 40º álbum de estúdio, mas, na verdade, poderia ter sido o sexto disco de um artista ainda vivendo a primeira década de sua carreira. Contudo, uma série de circunstâncias e, entre elas, um momento especialmente prolífico de sua carreira, levaram Young a engavetar o disco que só ganhou a luz do dia neste ano de 2020.

Musicalmente, o que vemos em Homegrown é um Neil Young minimalista. Canções curtas, algumas com letras bem curtas (duas, três estrofes), e um cantor usando basicamente a sua guitarra, o seu violão e sua gaita para cantar as dores do amor. Sim, porque tematicamente as músicas do álbum permeiam as dores de um amor perdido.

As canções de Homegrown foram originalmente gravadas entre 1974 e 1975, após, portanto, o lançamento de “On the Beach” e antes das sessões de gravação para o álbum Zuma, sétimo disco de estúdio de Young. Naquela época, Young estava tão produtivo que chegou a gravar dois álbuns. Mas optou por lançar Tonight's the Night (1975), pois via “fraquezas” no repertório de “Homegrown”.

Na ocasião, o cantor estava vivendo o fim de um relacionamento de cinco anos com a atriz Carrie Snodgress, que faleceu em 2004 e ficou mais conhecida pelo seu trabalho em “Quando nem um amante resolve” (No original, “Diary of a Mad Housewife”, 1970). Young chegou a escrever para ela a canção “A man needs a maid”, que entrou no álbum Harvest (1972) e faz referência ao filme pelo qual a atriz ganhou dois Globos de Ouro e foi indicada ao Oscar. A letra de “a man needs a maid” não poderia ser mais direta: “I was watching a movie with a friend/I fell in love with the actress/She was playing a part that I could understand”.

Mas em 1974, quando as canções de “Homegrown” estavam sendo feitas a relação já estava se deteriorando. Vemos aqui um Neil Young com letras melancólicas, falando sobre as suas inseguranças, o fim da relação e se despedindo de Snodgress em trechos como os de “Separate ways”, em que Young cita, inclusive, o filho Zeke, que teve junto com a então mulher (We go our separate ways/Lookin´for better days/Sharin´our little boy/Who grew from joy back then”).

“Separate ways” é uma das destaques do disco, junto com “Try”, “Love is a rose”, “White Line” e “Star of a Bethlem”. E todas elas giram em torno das angústias, inseguranças e do fracasso de relação. O que pode ser vistos em trechos como este de “Try”: “I´d like to take a chance/But shit, Mary, I can´t dance/So here´s to lookin´ up your old address/Holly what a mess/We gotta take the rest and try”.

Em “White Line”, Young fala da dor da perda da mulher em versos como “You were my raft/And I let you slide/It seemed like such a/Long easy ride/I was adrift/On a river of pride/Feels like a railroad/I pull a whole load behind me”. Tom que é mantido em “Love is a rose”, que tem uma bela introdução de gaita. “Love is a rose but you better not pick it/only grows when it´s on the vine/handfull a thorns and you know you´ve missed it/lose your love when you say the world mine”.

Homegrown segue quase sempre no mesmo tom. Excetuando-se, talvez, a faixa-título, que abre com um solo de guitarra, e na ótima “Vacancy”, que sobe um pouco o tom com uma pegada de guitarra mais forte, mas mantém a sofrência que permeia o álbum em trechos como “Are you my friend? Are you my enemy?/Can we pretend to live in harmony?/You come through the weirdest way/You copy her with the words that you say/I need that girl like the night needs the day/I don´t need you getting in my way”.

Nem todas as canções de Homegrown permaneceram escondidas por mais de 40 anos. Algumas já foram tocadas em shows de Young, como “Mexico”, “Try” e “Separate ways”, mas esta é a primeira vez que vemos a compilação destas canções dentro de um álbum e no contexto e conceito ao qual elas supostamente deviam servir. E não deixa de ser interessante ver Neil Young exorcizando as antigas dores tanto tempo depois.

Homegrown pode não ser um álbum brilhante, mas está longe de ser aquela sobra de estúdios caça-níquel sem relevância. Pelo contrário. É um álbum que tem um DNA muito forte de Neil Young e com potencial para agradar os fãs do longevo cantor canadense.

Marcelo Alves

Acredita que o bom rock and roll consiste em dois elementos: algumas ideias na cabeça e guitarras no amplificador. Fã de cinema e do rock nas suas mais variadas vertentes, já cobriu três edições do Rock in Rio e uma do Monsters of Rock. Desde 2014, faz colaborações para o site "Rock on Board". Já trabalhou em veículos como os jornais "O Globo" e "O Fluminense". Twitter: @marceloalves007

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