Discos: Descendents (Hypercaffium Spazzinate)

Foto: Kevin Scanlon
Descendents retorna de forma triunfal em seu novo trabalho
DESCENDENTS
Hypercaffium Spazzinate
Epitaph Records; 2016
Por Luciano Cirne

Não importa o quanto tentemos lutar contra, a verdade é uma só: o envelhecimento é inevitável e ninguém está imune a isso, nem mesmo o Descendents, espécie de Peter Pan do punk rock, sempre cantando orgulhoso sobre as maravilhas da junkie food, o medo de crescer, amores não correspondidos e tantas outras agruras típicas da juventude. Milo Aukerman e seus fieis escudeiros agora já são respeitados cinquentões de cabelos brancos (ou, como no caso do guitarrista Stephgen Egerton, sem cabelo algum) e boa parte dos seus fãs atuais cresceu junto com eles, portanto é natural que ao mesmo tempo em que tentam manter a chama adolescente acesa, também resolvam abrir um canal de comunicação com a turma de meia idade.

A faixa de abertura "Feel This" é um excelente exemplo de como o mundo não parece mais tão ingênuo. A letra, de dilacerante sinceridade, foi escrita no dia da morte da mãe de Milo (aliás, a coragem do vocalista em abrir o coração e expor seus sentimentos é louvável - e você aí achando que os emos inventaram a pólvora, né? Tsc, tsc, tsc.). Outras boas amostras que a maturidade chegou são músicas como a hilária "No Fat Burger", certamente uma das composições mais inusitadas da história do punk rock, também  retrata  como o espírito da banda está mudando, alertando a molecada sobre os perigos de exagerar na comida gordurosa; "Limiter", talvez a melhor do álbum, verdadeira porrada na cara que fala sobre como os pais estão criando filhos cada vez mais incapazes de lidar com o mundo lá fora e dependentes de antidepressivos e "Smile", uma singela e tocante homenagem para o baterista Bill Stevenson, composta enquanto ele estava num leito de hospital recuperando-se de uma cirurgia para retirada de um tumor no cérebro. 

Há também odes aos amigos feitos em todos estes anos que contribuíram para o Descendents manter-se unido e forte em "Beyond the Music" e à cena punk californiana em "Full Circle" e, obviamente, os já clássicos hinos sobre baixa autoestima, aceitação e paixões platônicas, temas recorrentes na discografia da banda desde os seus primórdios (e provas cabais que a essência juvenil não se esvaiu por completo), caso de "Victim of Me", "On Paper", "Testosterone" e "Without Love". Por fim, deve-se destacar o que todo fã do Descendents já sabe: Karl Alvarez e Bill Stevenson são a melhor dupla baixo / bateria de todo o punk rock e não se fala mais nisso! Stevenson é uma máquina de tocar, e Karl é um músico subestimado e extremamente criativo que consegue fazer o simples parecer complexo. Se você é baixista e não conhece seu trabalho, procure ouvir urgentemente!

'Hypercaffium Spazzinate' marca o retorno triunfal de uma banda que desde 2004 não nos brindava com novos trabalhos (o vocalista Milo Aukerman é um renomado biólogo e, por isso, o Descendents só grava quando as agendas dos integrantes coincidem) e que, aproveitando o tema de passagem do tempo tão abordado por mim nesta resenha, bem poderia ser comparada a um bom vinho, ficando melhor a medida que envelhece. Cinquentões sim, mas sem perder o punch e a ternura jamais! Belíssimo trabalho e sério candidato a melhor disco de 2016. 

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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