Discos: Against Me! (Shape Shift With Me)

Foto: Divulgação
Against Me volta sem muitas novidades em "Shape Shift With Me"
AGAINST ME!
"Shape Shift With Me"
Total Treble Music; 2016
Por Luciano Cirne



Antes de mais nada, vamos começar esta crítica fazendo um breve retorno no tempo, pois só dessa maneira o conceito de "Shape Shift With Me" poderá ser assimilado pelos que desconhecem a banda: Em 2012 o vocalista Tom Gabel assumiu que era transgênero e resolveu trocar de sexo, num gesto de extrema coragem que pegou fãs, gravadora, colegas de banda e até mesmo seus familiares desprevenidos. O resultado dessa revelação bombástica veio na dispensa da gravadora (Warner) e na saída de dois integrantes (apenas o guitarrista James Bowman permaneceu ao lado de Tom). 

Com o nome de Laura Jane Grace, ela canalizou esse turbilhão de emoções que vivenciou, e cuspiu tudo para fora dois anos depois numa espécie de sessão de terapia em forma fonográfica chamada "Transgender Dysphoria Blues" - um dos melhores álbuns de rock dessa década até o momento, onde ela expunha sem meias palavras como sofreu tendo uma alma feminina presa a um corpo do sexo oposto; como se sentiu culpada pela dor que causou à sua esposa (o que culminou com o fim do seu casamento); como todo esse remorso quase a levou ao suicídio e etc. 

Agora o tempo passou e a poeira baixou um pouco, mas a necessidade de desabafar e por para fora seus demônios internos continua latente, o que nos leva ao novo trabalho 'Shape Shift With Me', onde Laura mais uma vez usa a banda como uma espécie de divã confessional pessoal e abre seu coração focando em boa parte do tempo na redescoberta de sua sexualidade como mulher.

Se em 'Transgender Dysphoria' o clima era pesado e depressivo, aqui a coisa é bem menos angustiada. Existem momentos nervosos que lembram o punk rock com leves tinturas folk dos primeiros trabalhos, como no caso da genial faixa de abertura "Provision L3", onde Laura traça um paralelo entre a máquina de raio-x que dá nome à música e ao que ela faz nas suas letras deixando claro que ambos mostram como são por dentro, mas de diferentes formas; "333", canção que lembra demais "White Crosses", (faixa do cd homônimo de 2010); "12:03", claramente influenciada por Husker Du e "Hauting, Haunted, Haunts", que parece uma sobra de estúdio do seu trabalho de estreia "Reinveinting Axl Rose" devido a forte influência folk /country. 

Contudo, o que predomina na maior parte do tempo neste novo álbum é um rock de arena bastante similar ao seu disco de 2007 ('New Wave'), o primeiro por uma major e rechaçado pela maioria dos fãs. Talvez o objetivo de Laura com isso tenha sido mostrar que a fase tempestuosa passou e agora é tempo de olhar para a frente, porém isso acaba sendo uma faca de dois gumes, haja vista que canções com letras fortes como "Boyfriend", "All This And More", "Suicide Bomber" e "Crash" (todas sobre corações despedaçados e amores não correspondidos) perdem um pouco do impacto com melodias tão alto astral e produção tão limpa. Com isso, fica uma incômoda e constante sensação que algo não se encaixa.

Verdade seja dita, o Against Me nunca foi uma banda que seguiu pelo caminho da comodidade. Cada trabalho parece ter vida própria e, exatamente por isso é inevitável chegar ao final da audição de 'Shape Shift With Me' sem uma pontinha de decepção. Sem dúvida, Laura é uma das frontwoman mais importantes da atualidade - pela atitude de dar a cara a tapa e dar voz a uma parcela marginalizada da população, o que por si só é motivo suficiente para ao menos dar uma conferida. Mas após nos brindar com um disco tão urgente, enérgico e brilhante quanto 'Transgender Dysphoria Blues', a última coisa que esperávamos era um trabalho que soasse tão despretensioso, beirando as raias da apatia em alguns momentos e onde a sensação de déjà vu é constante, seja na sonoridade, seja na repetição de temas abordados. Pena, se fosse mais bem lapidado, tinha potencial para ser uma obra-prima como o seu antecessor, mas infelizmente vai resistir somente como curiosidade.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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