22 anos de Vitalogy, o disco estranho do Pearl Jam

Foto: Vitalogy / Pearl Jam
Adorado pelos fãs, o terceiro disco do Pearl Jam trouxe intimismo ao cardápio
Por Lucas Scaliza

Quando Vitalogy foi lançado, Eddie Vedder passava por mais uma fase de mudança. Estava chegando aos 30, tentava entender sua família, o universo em que estava inserido e a si mesmo. Depois do sucesso que foi Ten (1991), primeiro disco do Pearl Jam, e de Vs no ano anterior, Vedder tinha muitos holofotes apontados para ele.

E não somente Vitalogy era um álbum estranho no meio do movimento grunge – agressivo, mas triste, sem os arroubos sonoros de Ten – como a banda decidiu que não faria nenhum clipe para ajudar a divulgá-lo, uma decisão anticomercial tomada também no lançamento de Vs. Era 1994 e a MTV lançava tendências e bandas por meio da tevê. Ah, e também estava correndo o processo da banda contra a Ticketmaster, sob alegação de que a companhia não permitia que o Pearl Jam comercializasse as entradas para seus shows a preços mais acessíveis. Eram confusões demais para uma banda.

Quando o repórter da Spin perguntou como os caras da banda se relacionavam com ele, Vedder respondeu: “Eles não têm muita certeza das coisas que passam na minha cabeça”. Naquele momento, Vedder, que era só um surfista de San Diego que virou um astro do rock da cena de Seattle, estava tentando ainda lidar com a fama e com tudo o que veio dela. 

Em meio ao sucesso, era um tempo de dificuldades para a banda. Os integrantes brigavam entre si, principalmente quando Stone Gossard, o guitarrista, deixou de intermediar os conflitos e até pensou em cair fora. Disseram que 80% das músicas foram escritas minutos antes de entrarem no estúdio. O outro guitarrista, Mike McCready, precisou ser internado por abuso de álcool e cocaína. Com tudo isso em mente, fica mais fácil ouvir e entender Vitalogy.

Pearl Jam nos ano noventa, época de "Vitalogy"
“Nothingman” foi escrita em uma hora. “Betterman” foi escrita antes de Vedder ter idade legal para beber. "Tremor Christ" foi gravada em apenas uma noite em Nova Orleans. “Bugs” foi gravada com um acordeon que Vedder achou no estúdio e começou a tocar qualquer coisa. Acharam que o público deles poderia suportar a estranheza da faixa e a incluíram no disco.

“Quando o disco saiu, os fãs do Pearl Jam se assustaram”, diz Álvaro Mesquita, músico, professor de música, compositor e fã da banda. “O Ten já mostrava um lado depressivo do grupo, mas ‘Black’, por exemplo, tinha refrão e final épicos. O Vitalogy não é assim”, ele aponta.

“Fugiram do ‘esquema guitar hero’ de outras bandas da época, deixaram a música mais intimista, uma característica que o grunge resgatou”, diz Álvaro. Ele acredita que o vinil em si é uma plataforma que evoca maior intimidade com a música, por isso o disco vendeu tão bem nesse formato. O vinil de Vitalogy foi lançado em novembro de 1994. Vendeu 34 mil cópias só na primeira semana. Permaneceu o recordista de vendas na primeira semana por 20 anos. Foi superado somente agora, com o vinil modernoso de Lazaretto, do Jack White.

Em alto volume: vinil de Vitalogy na agulha
Mesmo com toda a sua estranheza (e faixas esquisitíssimas como “Bugs” e “Hey, foxymophandlemama, that’s me”), Vitalogy vendeu bem, mas não foi o sucesso estrondoso de Ten. Mesmo assim não se tornou um vinil recordista por 20 anos à toa. Álvaro Mesquita também acha que o disco passa no teste do tempo. “Esse álbum permanece, porque é uma banda fazendo música estranha numa época em que a música em geral tinha deixado de ser estranha”, diz o músico.

Álvaro diz que a evolução pessoal e profissional do Pearl Jam seguiu um caminho bem diferente do caminho trilhado por outras bandas grunge da época. “Eles cresceram, amadureceram e viraram homens preocupados com causas sociais. Evoluíram musicalmente também. O Vitalogy é um dos melhores álbuns do grunge. Vinte anos depois, minha banda toca ‘Betterman’ e muita gente canta junto. Organizei um festival em 2013 e essa música também estava no repertório”, ele diz. Álvaro é guitarrista das bandas Rotor e Revolution ASAP atualmente.

Há um link entre o ontem e hoje. Analisando musicalmente o disco, Álvaro diz que “Spin The Black Circle”, a segunda faixa porrada de Vitalogy é “praticamente a mesma composição” que “Mind Your Manners”, presente em Lightning Bolt, disco que o Pearl Jam lançou em 2013.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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