ENTREVISTA: GRAFORREIA XILARMÔNICA


Marcelo Birck falou sobre o culto ao Graforreia Xilarmônica


Por Bruno Eduardo

O grupo Graforreia Xilarmônica possui uma trajetória curiosa. Eles ficaram populares com o lançamento de uma fita demo lançada em 1988, Com Amor, Muito Carinho, e desde lá, só foram gravar um disco oficial em 1995, sete anos depois. A banda conseguiu uma boa repercussão na MTV, com o clipe de “Você Foi Embora”, e tiveram algumas de suas músicas regravadas pela banda mineira Pato Fu

Paralelo à propagação do culto ao Graforréia Xilarmônica, Marcelo Birck manteve sua progressiva carreira solo – com shows no Tim Festival (2006), ou em parceria de artistas como Júpiter Maçã. Em 2013, a banda volta de forma triunfal para comemorar os 25 anos de estrada, além de um DVD. 

A banda está fazendo questão de frisar que essa reunião não é apenas um revival, e sim uma retomada dos trabalhos. Foi essa vontade de criar coisas novas que acabou motivando o grupo a se reunir de novo ou foi mais uma questão de nostalgia mesmo?

Nostalgia, não. A Graforréia é uma banda que possui abordagem bem flexível em suas musicas. É para nós, como um teste musical. Um dos grandes motivos dessa reunião é retomar coisas que não faríamos na nossa carreira solo. Voltamos hoje com uma nova concepção, com um amadurecimento natural. Estamos mais tranquilos, sem maiores ansiedades. Hoje, já conhecemos os atalhos para os nossos objetivos. 

Vocês estão produzindo um DVD em comemoração os 25 anos da Graforréia Xilarmônica. Já tem previsão de lançamento?

Ainda não. Fizemos uma pré-produção, e o projeto foi aprovado recentemente. É pouco provável que seja lançado esse ano. Vamos tentar, mas não podemos prometer. 

Marcelo, nos últimos anos você se mantém bastante envolvido com a sua carreira solo. Há uma teoria, de que a melhor forma de se analisar uma obra, é se afastando dela. Você conseguiu ter noção do impacto que a Graforréia causou em sua carreira artística, após um período de distanciamento?

Na verdade nunca me senti muito afastado. Quando eu estava em carreira solo, era sempre possível sentir a identificação do público com esse meu lado musical (do Graforreia). Encontrava pessoas no underground que diziam para mim que tinham bandas covers de Graforréia, e acabavam me convidando para uma participação especial. Com isso, eu estava sempre envolvido, de uma forma ou de outra. Agora, o que me impressionava era a quantidade de pessoas que respeitavam a banda. Isso, lógico, dá uma motivação extra para querer voltar a tocar o projeto. Minha relação com a banda é diferente da que um fã tem, por exemplo. Quando se mora em Porto Alegre, fica-se difícil de avaliar o impacto. Depois que morei em outras cidades, era comum ver pessoas perguntando sobre o Graforréia. Um exemplo dessa dificuldade, que é mapear esse impacto causado pelo nosso trabalho, aconteceu anos atrás; na época, a gravadora não achava legal fazer “amigo punk” por ser algo regional demais. Só que quando chegamos para fazer um show na Bahia, todo mundo cantava a música. Então ainda é muito complicado para mim, pelo menos, analisar essa questão. 

O culto em torno da banda foi bem pontuado nas fitas demo. Vocês têm tres demos contra dois discos oficiais de estúdio. Nos dias de hoje, com essa questão da internet, do download, as gravadoras estão cada vez mais se interessando por esse tipo material. Fale dessa relação com as fitas demo, ainda mais em se tratando do sucesso de vocês em “Com Amor Muito Carinho”.

Nossa primeira demo, que muitos dizem que é o nosso melhor disco, foi gravada em uma fita k-7, em apenas 4 canais. E na minha opinião, isso capturou muito da banda. O Graforréia é uma banda que não se presta a banho de loja. Nossos produtos mais impactantes, fomos nós mesmos que construímos! Não só na questão da demo. Por exemplo, o nosso logotipo foi o Alemão [Alexandre Birck] que produziu. A nossa melhor capa de disco foi aquela que o Jorge [Frank] fez. O nosso melhor clip, eu que produzi. Isso não é uma opinião particular, é um consenso entre a banda. A Graforréia é uma banda que não se presta a padrão de bom gosto. Acredito que nosso trabalho é uma integração de varias etapas criativas que transcendem a nossa própria música. E como as demos são algo muito mais autoral, no sentido criativo de todo o projeto mesmo, isso acabou ficando muito evidente.

Tanto que vocês ficaram quase dez anos para gravar o primeiro disco de estúdio...

É! Algo realmente bizarro. Tanto que “Amigo Punk” acabou sendo lançado quase 10 anos depois, e acabou sendo indicada como melhor música, em 2000!

Vocês são uma referência para um movimento batizado nos anos 90 de “rock gaúcho”. O que voce acha do cenário hoje em dia?

Na verdade eu fico pensando o quanto nós somos referência. Acho que a Graforréia é uma banda que tem um publico bem fiel, mas não percebo influência ou escola - seja referência ou pesquisa mesmo. 

Musicalmente falando?

Exato! O que se convencionou a chamar de “rock gaúcho” foi mais por questão geográfica. Tudo que se faz por aqui, nos dias de hoje, seria o que a geração de 90 fez? É algo que se perdeu – não se sabe se para o bem ou para o mal. Acho que hoje há uma necessidade e isso acaba englobando coisas que não entravam muito nessa denominação. Na geração dos anos 90, que foi onde isso começou, havia questões artísticas bem especificas. As bandas buscavam sonoridades inusitadas, eram mais irreverentes. Hoje em dia eu pergunto: o que é o rock gaúcho? Não tem como medir isso, mesmo porque, vivemos em um sentimento de fronteira muito forte. Nossa cultura aqui tem muito a ver com a cultura do Uruguai, da Argentina, mas estamos dentro do Brasil! Já no centro de Porto Alegre, a identidade não é muito clara, e talvez por isso, “amigo punk” tenha ficado tão famosa aqui. É algo cultural, mas impossível de determinar. 

Foi bom você tocar nesse ponto. Eu acredito que o respeito pelo Graforréia e até mesmo pelo seu trabalho, vem muito por essa liberdade artística que acabou ficando perdida no tempo. Hoje existe essa necessidade de criação para um recolhimento calculado. Bandas como o próprio Aristóteles de Ananias Jr. serviam como um exemplo para esse tipo de arte livre, sem paradigmas, não?

Perfeito! Eu acho que vivemos num período, que é muito raro eu me interessar por algo musicalmente. Talvez seja por isso que eu diga que muito da minha influência artística vem hoje das artes visuais, que é bem menos uniforme. Eu tenho um aspecto mais de artista plástico do que músico, acredito. Em um contexto geral, estamos em uma época que vivemos das descobertas. E elas não são fáceis! Muita referência se perdeu nessa procura. A cena tem mais angústia e ansiedade do que propriamente uma euforia e motivação mais clara. Uma prova disso está na tendência explícita de tentar se fazer as coisas como antigamente – a volta dos LP’s são um grande exemplo disso. Acho que tudo passa pela compreensão dessa transição de tempos. O fato é que vivemos em época tão problemática quanto inspiradora. 

E qual é a sua inspiração? Tem algum projeto paralelo em vigência?

Além da minha carreira solo, que é a minha grande prioridade, há também um inovador, chamado “Matéria Sonora”. É um projeto em construção, que consiste utilizar instrumentos com material reciclável. Mas falta patrocínio para viabilização do mesmo. Também estou finalizando um vídeo clipe, que será lançado em breve. [conheça mais o trabalho de Marcelo no site www.marcelobirck.com]

Voltando a falar da banda, as letras da Graforreia sempre foram uma característica marcante, pela irreverência. No entanto, você afirmou que o grupo volta mais maduro, e confiante no seu instinto musical atual. Mas não há na cabeça de vocês, uma vontade, mesmo que inconsciente, de se manter um formato padrão, e visando a manutenção dessa característica – das letras. 

Há muito de improvisação nas letras da Graforréia. Elas soavam de forma irreverente pelo motivo único de que nunca tivemos qualquer preocupação de fazer nada linear. Era apenas uma liberação de energia inusitada, e as pessoas achavam engraçado. Lógico que hoje, tomamos um certo cuidado para que não confundam o que fazemos na Graforreia com o que eu faço na minha carreira solo ou com o que o Jorge faz na dele. Mas o grande fato é que gente não tem preocupação de agradar algum público específico. A Graforréia Xilarmônica é um caso raro de banda que não teve esquema de mídia; tivemos momentos pontuais. O nosso público é muito inteligente, é um público que se informa, que vai atrás da informação. E fatalmente eles não aceitariam que fosse feito algo requentado, algo pré-modelado.

O Graforréia Xilarmônica está no segundo dia do Lollapalooza Brasil. Como é voltar a se reunir com a banda, comemorar 25 anos de estrada juntos, e ainda participar de um mega festival como esse, de tradição mundial?

Sabemos da visibilidade que o Lollapalooza proporciona. É um evento gigante, e que abre portas para qualquer artista que participa. Com a nossa experiência, vamos fazer um show com a mesma energia de outras apresentações. Mas é um festival que pode nos abrir muitas portas, principalmente pela potencia da internet nos dias de hoje. Vemos vocês no Lolla!

[Matéria publicada originalmente por Bruno Eduardo no Portal Rock Press]

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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