Discos: Canto Cego (Valente)

Foto: Divulgação
Da Maré à Suíça, primeiro disco do Canto Cego transborda inspiração
CANTO CEGO
Valente
Independente; 2016
Por Bruno Eduardo

Só não vê quem não quer. Para aqueles que andam chorando pelos cantos, reclamando que não há mais rock nas FMs cariocas, que o público bitolou, que agora só restam sertanejos universitários e todo esse chororô derrotado, eu vos digo: a salvação está nos becos. Bandas sedentas e cheias de tesão estão transpirando arte por todos os cantos - de Piedade à Lapa, de Duque de Caxias à Barra da Tijuca. O resultado dessa nova atmosfera roqueira você recebe em pequenos drops, como por exemplo, neste 'Valente', primeiro disco da Canto Cego, que consegue reunir em doze faixas uma inquietação artística rara e inspiradora.

'Valente' é um trabalho pulsante. A banda que saiu da Maré e encantou os suíços no conceituado Montreaux Jazz Festival traz toda a ânsia de 'fazer e acontecer' nesse seu debut. O álbum demonstra um instinto apurado em filtrar influências das mais diversas. O som do grupo parece uma esponja de parâmetros musicais, que transborda de forma sempre muito bem resolvida - seja com delicadeza e emoção ("Gigante") ou voracidade ("Fúria"). O grupo carioca possui uma acurada compreensão de suas referências e não deixa que esse caldeirão de sonoridades faça a massa desandar. Um grande exemplo é "Eu Não Sei Dizer", que abre o trabalho. A letra, de Marcelo Yuka, soa como um traje adequado e devidamente encomendado ao manequim da ótima Roberta Dittz. Isso acontece também em "O Dono da Ordem", outra parceria do Canto Cego com o músico. 

Apesar de suas diversas ramificações, 'Valente' nada mais é que um belo disco de rock. O maior exemplo dessa vertente perseguida pelo Canto Cego é "Zé do Caroço" - um samba clássico de Leci Brandão, gravado nos anos oitenta - que aqui aparece resoluto numa sessão de riffs de guitarra e refrão explosivo. "Fúria" também segue esse roteiro, só que algumas pitadas típicas de um hard rock. Já "Maestrina", é um conjunto de guitarras estridentes e melodia vocal que remetem à fase Chiaroscuro da cantora PittyMas a melhor mesmo é "Contra-Canto" - um rock voraz, com letra afiada e interpretação cortante de Dittz. O rock-poesia, que pontua a proposta do grupo desde os primeiros ensaios na Maré, chega devidamente representado nas faixas "Imaginário" e "Vão", que são, talvez, os resultados menos extravagantes dessa caminhada - porém, totalmente encaixados na mensagem da banda. 

Assim como o encarte do disco sugere, Valente é um conjunto de órgão vitais para a cena rock: há coração nas letras, cérebro nas resoluções melódicas e espírito no conjunto da obra. Para quem ainda teima em dizer que o rock anda claudicante apenas porque não aparece nos meios convencionais, este disco serve como um desmentido enfático. Coisa linda!

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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