DISCOS: SOULFLY (ARCHANGEL)

SOULFLY

Archangel

Nuclear Blast; 2015

Por Lucas Scaliza






É chover no molhado dizer o quanto Roots (1996) do Sepultura influenciou uma geração de metaleiros e a importância do álbum para o reconhecimento da cena thrash metal brasileira no mundo. A começar pela capa: um índio, não apache, não cherokee, mas um índio xavante, do Mato Grosso. Até Mike Patton, do Faith No More, participou deste trabalho. O caso é que era uma experiência thrash com música brasileira muito bem sucedida e marcou a despedida do vocalista Max Cavalera do grupo. O Soulfly, que ele fundaria logo em seguida, tirou a originalidade estética de seu som da experiência com Roots.

Durante nove álbuns, Max e sua banda conseguiu trafegar bem entre o heavy metal e as influências de música de várias partes do mundo. Já Archangel, novo e décimo registro do brasileiro, é muito mais diretamente thrash do que experimental, mas ainda tem laivos de world music que não fazem as características da banda se perderem. É tão direto ao ponto que Archangel é o disco mais curto da discografia, mesmo contando com três faixas bônus.

We Sold Our Souls to Metal”, a porrada que abre o disco, não está entre as faixas mais icônicas do álbum, mas é quase um manifesto, em que Max vocifera que não precisa da sociedade e da “politricks”, pois vendeu sua alma ao metal. Embora a faixa pareça muito direta a princípio, da metade para a frente ela ganha contornos mais sofisticados. “Archangel” é para ninguém colocar defeito: uma base cheia de groove e arrastada, vocal gutural e linha de guitarra solo de Marc Rizzo que faz o instrumental soar até como um teclado.

Sodomites” tem uma tensão nos meios tons e vocais guturais (com reforço de Todd Jones, do Nails) que são muito mais assustadores do que a pauleira de várias passagens do Hammer of the Witches do Cradle of Filth, mesmo sendo uma gravação muito mais direta e crua do que a dos ingleses. O medo, o desespero, a raiva, o assustador se manifestam de maneia muito mais sutil do que uma porradaria supõem. É expressão, não barulho. E o que falar de “Live Life Hard!”, uma música direta e até surpreendente pelo uso do timbre mais agudo da voz de Matt Young (da banda australiana King Parrot) em alguns momentos e as trocas de dinâmica. E o verso “Nobody moves, nobody gets hurt”, citação da música do Yellowman, sendo encaixado ali no meio. Tem dois solos, um de cada guitarrista e dá-lhe bumbo duplo.

Acho importante quando o Soulfly, mesmo em uma mais proposta mais direta, consegue criar boas melodias. E eles também entregam isso com “Ishtar Rising”, uma ótima faixa, boas partes e timbres que deixam sobrar a distorção pesada de metal a cada nota do riff e acorde. Não é veloz, o que traz uma dinâmica mais interessante. “Shamsh”, a mistura de metal com sons transcendentais e um ótimo solo de Rizzo. Fica muito claro que a banda ainda sabe entregar batidas insanas e passagens onde, apesar do extremo ruído da distorção, a harmonia importa.

Deceiver” é o speed metal mais direto de Archangel, não chega aos 3 minutos e entrega uma porrada reta e direta. Se não fosse por alguns coros no refrão, “Titans” seria outra faixa de metal bem direto, parece que feita sob medida para abrir rodas de pogo em apresentações ao vivo.

Bethlem’s Blood” é a primeira que, mesmo cravada no metal cheio de groove do começo ao fim, coloca um naipe de sopro para criar um diferencial e até uma base de violão em curtos trechos em que a guitarra cria um detalhe melódico. “Mother of Dragons”, por outro lado, começa com um ataque violentíssimo e evolui para um longo solo e competente de guitarra até terminar.

De todas as faixas descritas até agora, note que nenhuma incluía de fato sons provenientes de outros tipos de música. No máximo, linhas melódicas que remetiam a sons mais místicos. “Soulfly X”, a última música bônus e a maior do disco, é a faixa que não deixa se perder o talento do grupo para ir além do thrash metal. É uma faixa leve em que Max toca sítara, Marc Rizzo assume o violão flamenco e o músico Roman Cacakhanyan toca o duduk, um instrumento de sopro do Oriente Médio e leste europeu.

Archangel não é o trabalho mais criativo do Soulfly, mas é um thrash metal muito competente. O Angra, com seus últimos três trabalhos, diminuiu consideravelmente a influência de música brasileira em seu som, perdendo um pouco da personalidade original do grupo. Até aí, tudo bem, pois uma banda pode mudar de som a hora que quiser. No entanto, acabou ficando muito parecida com as bandas europeias de power e metal melódico, sem um grande diferencial no segmento. Mesmo com uma carga metal maior e menos música do mundo, o Soulfly ainda não deu indícios de que pretende “mudar” seu som. Vamos acompanhar e ver o que mais vem por aí. (Mas se você quer uma dica de rock com influências regionais, confira o Ellipsism dos bolivianos do Enfant).

Por fim, é bom lembrar que Max está acompanhado pela família Cavalera no novo disco. Além dele nos vocais e na guitarra base, seu filho, Zyon Cavalera, na bateria (ótimo em todas as faixas) e Igor Cavalera Jr. no baixo (embora os baixos de Archangel tenham sido gravados pelo ex-baixista, Tony Campos) e seu enteado, Richie Cavalera (do Incite), cante em “Mother of Dragons”. Até a pequena Roki Cavalera empresta sua voz infantil para os 10 segundos de “You Suffer”.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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