Addicted To The Violence
⭐⭐⭐⭐✩ 4/5
Por Marcelo Alves
Lá se vão duas décadas desde que o System of a Down lançou um álbum de inéditas. Desde que Mezmerize e Hypnotize surgiram, respectivamente, em maio e novembro de 2005, a banda entrou num hiato só interrompido de tempos em tempos quando seus membros resolvem se juntar para fazer concertos pelo mundo. Alguns dos mais recentes, inclusive, aconteceram em maio em três cidades brasileiras.
Depois de 20 anos, a esperança por um material inédito do grupo foi perdendo força. No entanto, um bom consolo para seus apaixonados fãs pode estar em Daron Malakian and Scars on Broadway. Projeto criado pelo guitarrista e vocalista do System of a Down logo após o primeiro hiato da banda em 2006, o Scars on Broadway muito provavelmente será o mais perto que alguma vez chegaremos de um material inédito do System of a Down. E a semelhança entre as duas bandas fica ainda muito mais clara em Addicted to the Violence, terceiro álbum de Malakian que foi lançado nesta sexta-feira.
Addicted to the Violence em muitos momentos parece um álbum do System of a Down. Porém, com uma diferença fundamental: sem os vocais marcantes de Serj Tankian. Por outro lado, é um álbum que apresenta uma estrutura eclética, boas melodias, temas políticos e o vocal característico de Malakian, que contrasta entre a agressividade e um tom mais melódico, dando expressividade e profundidade às canções. E tudo isso nós vemos, no material do System of a Down. Outra curiosa semelhança acontece na música The Shame Game, cujo riff de guitarra lembra levemente o de Aerials.
Se por um lado esta proximidade com a primeira banda de Malakian traz algum conforto para seus fãs, por outro causa estranheza simplesmente porque nos pegamos esperando algo que nunca virá: o momento em que aparecerá a voz de Tankian.
Superada esta estranheza, no entanto, nos deparamos com um excelente álbum. Addicted to the Violence é um álbum quase 100% de Malakian, que além de cantar em todas as faixas, compôs e escreveu todas as letras e tocou guitarra e baixo em quase todo o álbum. Ele só foi auxiliado por Roman Lomtadze na bateria e por Orbel Babayan, que tocou guitarra e baixo em três das dez faixas. Portanto, o álbum tem a visão estética, musical e política de Malakian.
Visão política esta que aparece logo nas duas primeiras das 10 canções do álbum, A frenética Killing Spree e a pesada Satan Hussein. A primeira fala sobre como as pessoas se tornaram insensíveis à violência, enquanto a segunda é uma referência ao ex-presidente do Iraque, Saddam Hussein, com uma letra que trata de um ditador que comanda um país com violência.
Se a referência ao político que morreu em 2006 pareceu antiga, há uma explicação. Addicted to the Violence foi produzido nos últimos cinco anos, mas usando músicas que Malakian compôs ao longo de quase 20 anos. Satan Hussein, por exemplo, é a mais antiga de todas e foi composta no início dos anos 2000. Ou seja, ela poderia muito bem ter sido incluída num álbum do System of a Down como Toxicity (2001) ou Steal This Álbum (2002).
Quase todo o álbum de Malakian é muito rico musicalmente e nota-se uma clara evolução em comparação com os também bons discos Scars on Broadway (2008) e Dictator (2018). Addicted to the Violence tem mais maturidade e diversidade, variando entre as influências metaleiras que são mais presentes no System of a Down, e uma certa influência do classic rock.
Influências estas que levam Malakian e seus músicos de apoio a irem além do tradicional trio guitarra-baixo-bateria, levando para as canções instrumentos como teclado, piano, órgão, bandolim e saxofone.
É o que vemos em faixas como Done me Wrong, que combina as guitarras distorcidas com um refrão mais pop e uma certa melodia dançante, enquanto Malakian fala sobre os incompetentes que estão no comando do mundo: “When your world is run by a bastard/You never know when the shit will hit the fan/When you think about revolting/My suggestion is you have a backup plan/You're a user, there's no future/No place left for us” (“Quando seu mundo é controlado por um canalha/Você nunca sabe quando a merda vai atingir o ventilador/Quando você pensa em se revoltar/Minha sugestão é que tenha um plano B/Você é um aproveitador, não há futuro/Não há lugar pra nós”.
A boa Destroy the power é outra música com forte teor político: “The Ayatollah in Tehran, Iran/Slicing the poppies in Afghanistan/ Can't you see the abuse creates strength for us/We take the power and we can destroy you” (“O Ayatollah em Teerã, Irã/Cortando as papoulas no Afeganistão/ Você não vê que o abuso cria força pra gente?/ Nós pegamos o poder e podemos te destruir”)
Em Your lives Burn, Malakian desabafa sobre a polarização política com uma letra um tanto quanto controversa por jogar esquerda e direita dentro do mesmo saco, falar em conspiração envolvendo políticos e a mídia e citar “pregadores ricos e woke” que “não te deixam dormir” e “nos dominam a todos”. Malakian ainda diz: “Me cancela, não estou nem aí” (“Cancel me I don´t give a fuck”), que ajuda a amarrar todo o teor complicado da letra e que nos leva a lembrar que um dos motivos da separação do System of a Down teria sido a divergência político-ideológica.
Com seu ritmo mais barulhento e feroz, Your Lives Burn é a canção mais comum e básica de um álbum que quase sempre está num ponto alto. Mas isso é uma questão de gosto, pois é certo que Your Lives Burn faria sucesso numa roda de pogo do seu show.
No entanto, o álbum é muito mais interessante em músicas como You Destroy You com sua belíssima melodia feita com um bandolim, ou Imposter e Watch that girl, com suas variações de tempo que sempre foram uma marca do System of a Down em canções como B.Y.O.B e Chop Suey!. Ou mesmo Addicted to the violence, que fecha o álbum com chave de ouro e sintetizadores.
Addicted to the Violence é um disco que volta a chamar a atenção para o bom e produtivo trabalho solo de Malakian. Um trabalho que merece ter a atenção dos fãs do System of a Down, pois, o futuro desta banda parece ser mais fadado a viver no passado, como o próprio Malakian deixou claro em entrevista ao Los Angeles Times na quinta-feira passada, dia 17 de julho.
“Não tenho tanta certeza se quero mesmo gravar outro disco do System of a Down neste momento da minha vida. Estou me dando muito bem com os caras agora. O Serj e eu nos amamos e gostamos de estar no palco juntos. Então, talvez seja melhor continuarmos fazendo shows como System e fazendo as nossas próprias coisas fora disso”.