Sleep Token
Even In Arcadia
⭐⭐⭐⭐✩ 4/5
Por Lucas Scaliza
Os primeiros minutos de “Caramel” me pegaram de surpresa. Poderiam levar qualquer desavisado a pensar que se trata de uma música do Bad Bunny, o rei do trap latino, e não o que realmente é: um desabafo de um grupo inglês de mascarados que louvam o “deus” Sleep.
E os versos de “Damocles”? Se você fechar os olhos e trocar
a voz por cima do piano, talvez possa imaginar que os mesmos versos, com a
mesma produção, cairiam bem numa balada de Taylor Swift ou Adele. Não me
entenda mal, eu não estou comparando Sleep Token com os artistas citados.
É só uma provocação pontual, a partir de duas músicas que foram lançadas como
singles, que demonstram a capacidade da banda de surpreender e desafiar nossas
expectativas.
Even in Arcadia, o quarto disco do ainda enigmático grupo, borra ainda mais as fronteiras já borradas do metal alternativo. Dessa vez, a banda aprofunda suas incursões na música pop e expõe nas letras uma face mais humana – e vulnerável – de Vessel, o homem por trás de tudo. Sleep Token já era conhecido por misturar trap, hip hop e até gospel ao seu metal alternativo. Mas agora o framework das composições é sem dúvida a música pop, deixando os elementos pesados aparecerem como expressão e auge das faixas, e não como sua base.
Outro aspecto de Even in Arcadia que não passa
despercebido é a relação entre Vessel e sua figura pública. Até aqui, a
totalidade do trabalho da banda era marcado por um tom existencial, místico e
poético na construção de sua lore, com músicas que soavam como louvores
a uma entidade chamada Sleep (tudo parte do folclore criado em volta do grupo).
Era comum nos discos anteriores encontrar seções que eram uma derivação
(gótica) de “spirituals” ou hinos gospel de uma religião paralela. Em Even
in Arcadia, esse tom é bem mais escasso.
No lugar da devoção, entra o desgaste humano. Assim que os
primeiros singles foram lançados, já ficou claro que as letras falavam mais
sobre o homem por trás da máscara do que sobre seu deus onírico. Em “Caramel”,
por exemplo, Vessel canta sobre a pressão da fama e sobre o incômodo com a
atenção do público. A música é praticamente um pedido para que o deixem em paz.
O Sleep Token, enfim, fala de si mesmo e não perde a poética rebuscada de suas
letras.
Embora o framework que guia cada composição não seja o metal, os mascarados sabem quem são sua base principal de adeptos. Todas as faixas tem sua seção de peso. Às vezes, é apenas uma roupagem metaleira dando vigor e fôlego a refrões e pontes. Em outros casos, são peças musicais que derivam diretamente do progressivo ou do deathcore. A bateria continua sendo um dos maiores destaques instrumentais do Sleep Token. E a voz de Vessel é o que une as várias referências em um todo coeso. Uma voz que a qualquer momento rasga o flow do trap e vira uma vociferação gutural sobre um riff na oitava corda de guitarra afinada em Fá uma oitava abaixo.
Even in Arcadia é um slow burner. Não tem
pressa de mostrar suas cartas. Quando os riffs chegam, chegam com propósito.
Nada é exagerado ou repetido até cansar. O saxofone inesperado que encerra
“Emergence” aparece uma única vez, como se fosse uma pequena epifania. Nunca
mais o instrumento é ouvido no resto do álbum. Mas é essa única vez que o faz
ser tão raro e especial.
Mas a máxima ainda se mantém: Sleep Token nunca foi sobre
riffs. É sobre o que é dito. E agora, mais do que nunca, a mensagem vem de um
lugar mais pessoal e mais terreno. O fade-out de “Infinite Baths” é
sintomático disso: o disco termina com um sentimento de uma declaração poderosa
que foi dita e jogada ao mundo, e cabe a nós perceber que haverá resistência da
parte de Vessel. Vindo de uma banda tão metafórica, esse fade-out não é
uma questão técnica. É decisão criativa e nos deixa com um sabor indefinido na
boca. É preciso absorver agora.
Muito mais do que a identidade dos músicos, o que é interessante no som da banda é a dualidade entre delicadeza e ferocidade, que está mais enfatizada do que nunca nesse disco. Adeptos deverão aceitar essa oferenda e perceber que há, sim, uma ampliação no horizonte musical, mas sem abandonar nenhum território já explorado anteriormente. Even In Arcadia continua defendendo a posição do Sleep Token como uma das mais ousadas no metal contemporâneo. Mesmo falando de si mesmo e revelando sua luta interna, Vessel continua escondido atrás da máscara. Mas nem tanto.