The Great Gig In The Sky: Roger Waters e seu espetáculo sensorial no Maracanã

Roger Waters e seu espetáculo sensorial no Maracanã
Por Bruno Eduardo

O Pink Floyd, tema principal das turnês de Roger Waters, não é apenas uma das maiores bandas britânicas de rock que esse planeta já recebeu; é uma instituição cultural popular monumental. O impacto que o Pink Floyd teve no mundo artístico como um todo não pode ser subestimado; sua música é atemporal e remontou o final dos anos 60 - quando saíram da cena musical underground de Londres - criando músicas de rock psicodélicas criativas com seu genial vocalista Syd Barret e depois progrediu em atos que reconceituou completamente os caminhos do rock. 

Após uma inesperada reação do público no primeiro show de Roger Waters no Brasil (vaias e críticas às suas abordagens políticas), o clima de tensão e ansiedade para reações ainda mais hostis ganhou força, já que chegamos na semana pré-eleitoral. Tanto que muita gente estava sendo impedida de entrar com adesivos ou broches de seus candidatos. No entanto, o show no Rio de Janeiro não teve qualquer incidência e transcorreu na maior tranquilidade. A verdade é: ao contrário do que aconteceu em São Paulo, tanto ele quanto a maioria do público que esteve presente no Maracanã nesta quarta-feira chuvosa, sabiam o que esperar um do outro.  

Mas isso não quer dizer que Waters tenha deixado seu ativismo político de lado esta noite - que nada. Ele tem escrito letras sobre autoritarismo, guerra, morte, poder e feito críticas a governantes por décadas, e seria totalmente incoerente que hoje, aos 74 anos de idade, saísse da curva. Ele apenas fez algumas modificações, como por exemplo, deixar a parte que aparecem os nomes dos líderes políticos no intervalo do show (quando certamente chama menos a atenção). E reservou para o finalzinho da apresentação, o momento de discurso social e homenagem à vereadora Marielle Franco (assassinada este ano). De resto, tudo continuou igualzinho, exatamente como nós do Rock On Board adiantamos há alguns meses [confira AQUI].

A estrutura preparada para este espetáculo é algo especial. Caixas de PA's foram penduradas por todo o estádio do Maracanã e um maravilhoso telão ocupou toda a extensão do que seria um palco convencional. Nele, a imagem de uma mulher olhando para um horizonte, com som de vento e trovoadas. Já a chuva que caía no Maracanã era real e durou a noite inteira. Como estava previsto no repertório, "Breathe", clássico de Dark Side Of The Moon, deu início ao show, que começou 20 minutos atrasado. Por falar nisso, setlist é baseado quase que exclusivamente no período de 1971-1979, que abrigou os cinco álbuns mais bem sucedidos do Pink Floyd: Meddle, The Darkside Of The Moon, Wish You Were Here, Animals e The Wall.

O show foi dividido em duas partes. A primeira consistiu em obras-primas como "One of These Days", "Time" (e seus relógios tiquetaqueando no telão), "The Great Gig in the Sky" e "Welcome to the Machine". Algumas das músicas do novo álbum de Roger Waters também foram adicionadas ao set list, e nessas ele geralmente só cantava. A enorme tela por trás da banda levou o público para as viagens espaciais. Mas o destaque da primeira parte veio em "Another Brick in the Wall" - com um grupo de crianças em idade escolar vestidas como prisioneiros de Guantánamo - e a versão fidelíssima de "Wish You Were Here".

Após um intervalo de 20 minutos, o telão imponente sofre uma transformação e dá lugar à fábrica que estampa a capa de Animals, causando um dos visuais mais deslumbrantes da noite. O álbum, lançado em 1977, é baseado no conceito da obra "A Revolução dos Bichos" e imagina a humanidade dividida em diferentes grupos de animais. O visual por trás de "Pigs" referia-se descaradamente à algumas frases de Donald Trump. Há ainda um porco voador com as palavras "Seja Humano" que é capturado pelo público, e feito em pedaços para levar pra casa. "Trump é um porco", aparece em letras garrafais no telão.

Com uma produção primorosa, o último grande ato de efeitos pirotécnicos é a exibição da icônica pirâmide em "Eclipse", que recebe o feixe de luz em um prisma de cores, assim como na capa de The Darkside Of The Moon [assista no vídeo presente neste artigo]. No entanto, faltava apenas uma música para todos voltarem para suas casas realizados. E ela veio: "Comfortably Numb", que garantiu um encerramento grandioso ao show.

O legado de Roger Waters é significativo demais para ser apresentado / avaliado de forma tão diminuta e superficial como vimos por aí nesses dias de guerra eleitoral. A maior constatação dessa herança cultural que o ex-baixista do Pink Floyd deixa ao mundo, pôde ser conferida num espetáculo de três horas, que causa vários sentimentos de emoção em qualquer espectador humano - seja por toda produção engenhosa envolvida ou pela riqueza artística que transpira em cima do palco.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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