Em boa forma, Chris Cornell vai além dos clássicos em São Paulo

Foto: Reprodução Internet
Cornell mostrou voz em dia e releituras criativas em show folk-rock
Por Lucas Scaliza

Quando Chris Cornell sobe ao palco, munido apenas de um lindo set de violões, não tem muito com o que se preocupar. Sua carreira garante que ele tenha clássicos e músicas interessantes o suficiente para preencher duas horas de apresentação. Foi assim, mais uma vez, que ele conquistou uma plateia de milhares de adultos no Citibank Hall, em São Paulo, no domingo (11), fechando a passagem da Acoustic Higher Truth World Tour pelo Brasil.

A figura alta e esguia de Cornell surgiu no palco sem grande pompa. A música que inundava o ambiente era executada por uma vitrola eletrônica que ele mesmo desativou enquanto fazia piada com o fato de não falar português. Esses três fatores foram suficientes para estabelecer o carisma natural do cantor e uma conexão com a plateia que vai além da obrigação de subir num palco e tocar o que a plateia quer ouvir. 

Neste formato mais intimista de show, a troca de palavras com o público é fundamental e Cornell tirou de letra. E mesmo tendo começado a tocar com 30 minutos de atraso, executou 25 músicas.

O repertório foi basicamente o mesmo dos outros shows no país, misturando músicas de seus discos solo, com ênfase no ótimo e acústico Higher Truth (2015), de suas bandas Soundgarden, Audioslave e Temple Of The Dog, e suas trilhas para filmes, além de covers de Michael Jackson (“Billie Jean”), Prince (“Nothing Compares 2 U”), Bob Dylan (“The Times They Are A-Changing”), Led Zeppelin (“Thank You”) e Bob Marley (“Redemption Song”).

Embora seja um tipo de “the best of” de toda a carreira dele e mais alguns covers como bônus, fica claro que a interpretação de Cornell e Brian Gibson (teclado, cello, violão, bandolim) entregam muito mais do que apenas clássicos. Há muita recriação acontecendo ao longo do show, mostrando que tiveram a preocupação de fazer de cada música um momento único, com elementos que chamem a atenção por si mesmos. Dessa forma, nenhuma canção parece estar no setlist apenas para preencher espaço.

Também faz diferença se a música tem a participação de Gibson ou se Cornell a canta preso ao microfone, se o vocalista passeia pelo palco enquanto toca ou se ele conta uma história antes da música.

Before We Disappear” e “Can’t Change Me” abriram o show mostrando uma voz menos cristalina, mais visceral e, talvez, mais cansada de Cornell. No entanto, deveria ser apenas uma voz menos aquecida, pois o controle de timbre, drive e altura que ele demonstrou ao longo do show foi impressionante e confirmou como ele continua sendo uma das vozes mais distintas do rock até hoje. “Nearly Forgot My Broken Heart” empolgou a plateia que, mesmo sentada, começou a acompanhar a música batendo palmas e os pés no chão. E contou que levou 14 anos para escrever a bela “Josephine”, mais uma de suas músicas solos.

Praticamente todas as vezes que Brian Gibson pegava o cello para acompanhar Cornell algo especial acontecia. Foi durante o cover de Prince, no início da apresentação, que vislumbramos o poder rock’n’roll do músico no instrumento clássico. Depois, o clássico de 1994 “Fell On Black Days” levou muitos fãs ao deleite com mais uma interpretação ousada de cellista.

Cornell não fez apenas um cover de Bob Dylan. Ele acrescentou versos à “The Times They Are A-Changing” que refletiam os Estados Unidos de hoje e a “porra da política” que está assolando o país. E se os versos sobre um homem que usa discurso do medo não foram suficientes para o público saber de quem ele estava falando, a iluminação toda alaranjada do palco tratou de deixar bem claro a quem se endereçava a crítica. Em outro momento político, apresentou a música “Misery Chain” – do filme 12 Anos de Escravidão – dizendo que a escravidão ainda existe no mundo e que as pessoas deveriam estar cientes disso e denunciar.

Também foi bastante interessante ver como a voz do Soundgarden transformou músicas pesadas em perfeitas canções folks. No caso de “Rusty Cage” ele adotou os arranjos feitos por Johnny Cash, transformando a canção visceral em um power country. “Wooden Jesus” e “Blow Up The Outside” perderam a distorção, mas não o vigor e mexeram com os nervos do público. 

Like a Stone”, do Audioslave, “Black Hole Sun”, do Soundgarden e “Hunger Strike”, do Temple of the Dog, são as canções mais clássicas e as grandes conhecidas do público de Cornell. Ficaram ótimas e mexeram com a plateia do Citibank Hall, como era esperado. Delas, “Like a Stone” ganhou uma versão muito mais adaptada ao folk e nuances exclusivas do formato acústico.

Mesmo entregando um repertório em que a maior parte das canções já era esperada pelo público e alguns clássicos “obrigatórios”, fica claro que Chris Cornell e Brian Gibson arquitetaram um show que entrega mais nuances do que a simples conversão de músicas roqueiras para um tipo de folk rock. São releituras criativas que somadas ao carisma do cantor tinham potencial de sobra para estabelecer uma ligação sentimental com o público.

Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem
SOM-NA-CAIXA-2