Smashing Pumpkins e os 20 anos de seu melhor disco

O duplo Mellon Collie And The Infinite Sadness é a grande arte de Billy Corgan
Por Bruno Eduardo

Mesmo levando em conta todo o exagero, é bastante compreensível que Mellon Collie And The Infinite Sadness seja considerado pela mídia gringa uma espécie de The Wall (Pink Floyd) para quem tinha 15 anos de idade em 1995. Hoje, vinte anos depois, o álbum se encontra em um patamar de "grande arte" para todas as idades. Tudo bem que Billy Corgan não conseguiu segurar sua onda, e que acabou perdido em viagens introspectivas e desconectadas. Mas durante um momento em que heróis do rock andavam sumidos, o Smashing Pumpkins se encarregou de fazer um registro memorável e dedicado quase que exclusivamente ao público adolescente.


Em 1995, quase todos as outras bandas do mesmo calibre tinham de alguma forma virado as costas para o mundo: Pearl Jam tinha começado a sua fuga dos holofotes; U2 e R.E.M. curtiam férias de si mesmos; Weezer estava envolvido com planos geniais e não-populistas (Pinkerton); O Metallica se mantinha trancado em estúdio para desenvolver Load; e, é claro, Kurt Cobain deu fim a própria vida. 


Em tempos de disseminação do CD, um álbum duplo cheirava a excesso - o que contribuiu ainda mais para edificar seus criadores. Mellon Collie And The Infinite Sadness é, talvez, o único registro Smashing Pumpkins onde eles agiram como uma banda real, longe dos encargos ressentidos de Billy Corgan. É difícil identificar a origem da influência de James Iha ou D'Arcy, mas com a supervisão dos produtores Flood e Alan Moulder, Mellon Collie foi desenvolvido através de jam sessions prolongadas. Siamese Dream com toda a sua grandiosidade sinfônica, foi um álbum de rock bastante normal e solitário - há rumores de que quase todas as partes de guitarra e baixo foram gravadas pelo próprio Corgan. Enquanto isso, Mellon Collie se entrega a estilos mais associados artisticamente.


A notável amplitude deste trabalho é, certamente, a melhor indicação da capacidade de Corgan em liberar as rédeas - realizando todas as suas mais diversas ambições. Essa sua busca incessante por um mundo que nem ele mesmo sabia existir, fez de Mellon Collie um disco obcecado pela juventude. Essa urgência púbere vem presente em termos como "máquinas tristes" e "mecanismos adolescentes" de "Here Is No Why" - uma rápida conversa sobre vitalidade -, ou na proclamação vertiginosa de que "o amor resolve tudo", de "Fuck You (An Ode to No One)". Mellon Collie se comunica de maneiras diferentes para quem hoje tem mais de trinta anos. A sensação talvez seja parecida com a de estar folheando um caderno antigo do colegial - onde a nostalgia não soa tão cruel como de costume. São coisas leves, como: o que você usava, como você falou, o que você sentiu. O fato é que os noventa minutos de Mellon Collie parecem, ainda hoje, tão distantes e fantásticos como a capa do álbum. Quando Corgan canta "acredite em mim" durante "Tonight, Tonight", você realmente não tem para onde fugir.



     DECIFRANDO O DISCO     

Por Fabrício Boppré

Mellon Collie and the Infinite Sadness é uma obra magistral, arrebatadora desde sua introdução instrumental até a canção de despedida. Repleta de paixão e ousadia, barulho e melodia, fúria e graça, é um tour de force de uma banda decidida a criar um álbum que vá além daquilo que todos os outros álbuns do mundo oferecem aos seus ouvintes (o grau de sucesso da banda nessa empreitada é algo que cada um deve deduzir por si só, mas creio que a essa altura já deve ter sido possível perceber qual a minha opinião). A mais saliente conseqüência dessa ambição, a variedade sonora presente em suas aproximadas duas horas de duração, levou muitos a torcerem o nariz, ao mesmo tempo que levou tantos outros a apontá-lo como um marco. Para o segundo grupo, a grandiosidade que a banda não negou em sua concepção veio acompanhada de inspiração e execução compatíveis, o que levou o Smashing Pumpkins a marcar o mundo da música com uma obra-prima vigorosa e pungente. Mas, ao contrário do que pode parecer, não se trata de um conjunto de músicas complexas ou de significados profundos — muito pelo contrário. A maioria das canções são de assimilação imediata; a banda estava em seu auge criativo, jorrando melodias lapidares, refrões memoráveis e afiação instrumental na ponta dos cascos, explorando até o limite cada uma dessas virtudes e sem impor fronteiras ao seu processo criativo (o que incluiu um arsenal de instrumentos diversificados à disposição), em especial, às composições de Billy Corgan. De conceito, tem-se somente a superficial impressão que Corgan quis escrever sobre a variedade de sentimentos e estados de espírito que nós da espécie humana somos acometidos, com alguma frouxa conexão com os subtítulos dados aos discos, Dawn to Dusk e Twilight to Starlight. A questão é que o poder da música ofusca qualquer tentativa de teorias maiores sobre seu conteúdo e eventuais sentidos encadeados.


Para ilustrar isso tudo, a primeira atitude naturalmente considerada seria uma descrição faixa-a-faixa, mas estou certo de que isso renderia um maçante tratado sobre a diversidade de adjetivos que podem ser utilizados em um texto cujo tema é música. O mosaico musical é muito amplo: o riff seco e robótico de "Zero", os lentos e melancólicos dedilhados de "To Forgive", a melodia pop frugal e de astral nostálgico de "1979", os guitarrismos dilacerantes de "Muzzle", a delicadeza atmosférica de "In the Arms of Sleep", o caos sonoro de "Tales of a Scorched Earth", a batida eletrônica ruidosa e suja de "Love", o clima idílico da canção de amor "By Starlight", a sonoridade fantasiosa e meiga de "Cupid De Locke", a urgência intensa de "Jellybelly", a ingenuidade quase arcaica de "Lily", e por aí vai. Mais importante do que prosseguir nessa lista é ressaltar que todas essas canções convivem perfeitamente bem apesar de suas aparentes distâncias e incompatibilidades, provavelmente devido ao fator comum que existe entre elas: a altíssima inspiração que dá vida a cada faixa, transformando-as em capítulos independentes de uma admirável jornada musical. Em resumo: uma profusão de canções ininterruptamente excepcionais concebidas sem maiores laços físicos e um álbum fabuloso em sua totalidade.



Bruno Eduardo

Jornalista e repórter fotográfico, é editor do site Rock On Board, repórter colaborador no site Midiorama e apresentador do programa "ARNews" e "O Papo é Pop" nas rádios Oceânica FM (105.9) e Planet Rock. Também foi Editor-chefe do Portal Rock Press e colunista do blog "Discoteca", da editora Abril. Desde 2005 participa das coberturas de grandes festivais como Rock in Rio, Lollapalooza Brasil, Claro Q é Rock, Monsters Of Rock, Summer Break Festival, Tim Festival, Knotfest, Summer Breeze, Mita Festival entre outros. Na lista de entrevistados, nomes como Black Sabbath, Aerosmith, Queen, Faith No More, The Offspring, Linkin Park, Steve Vai, Legião Urbana e Titãs.

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